Então, Tudo De Novo

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No farol um arrastão comendo solto. Em meio ao bololô um motorista esperava. Pacientemente. Quando deu de cara com um meliante terrível, a quem fez questão de explicar.

_Desculpe, mas sou fixo do Arruela. Há mais de três anos que só ele me assalta. Fica pra próxima, pode ser?

_Foi mal, Patrão. O Arruela atrasado, mas já-já taí. O senhor pode aguardar?

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Impedimento

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_Voltamos ao vivo pro segundo tempo desse grande jogo. Tudo certo para o reinício. E a galera na geral se anima. Vai autorizar o arbitro. Mas o que quié isso?  O bandeirinha acaba de indicar impedimento. É isso, mesmo, garotinho? – perguntou o narrador ao repórter em campo

_Acredite quem quiser, mas a informação é quente: um santo invadiu o meio-campo.

_Santo?

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Santa Paciência

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Porta de colégio é um inferno, reparou? Um vuco-vuco desgranhento, sem falar na montoeira de pais aboletados em fila dupla. Quando não, tripla.

Talvez por isso a reação tão imediata ao ver aquela garagem vazia. E foi entrando.

Mas alguém logo lhe colou a rabeira, descendo a mão na buzina. Pensam que se encabulou? Qual nada. Acabou de manobrar e ali ficou. Bem quietinho. Ao que outra baixou o vidro pra reclamar.

_Moço?!

_Oi.

_O que o senhor pensa que está fazendo?

_Estacionando.

_Mas EU ia estacionar.

_A senhora, também, é? – resumindo o caso todo num único abano de cabeça _Infelizmente, não será possível. Cheguei primeiro. Então, se a senhora der licença…

_Como assim? É a MINHA vaga. Na garagem da MINHA casa.

_É tua, é? – e começou a avaliar. Botando defeito do teto a parede.

_Perfeito só Deus, né, moça? Mas fique triste, não. No seu lugar pensava assim: pelo menos eu tenho um teto. E  dê-se por satisfeita, que a coisa anda feia por aí…

_Escute aqui, o senhor vai, ou não vai, sair da minha garagem? – atrás dela uma fila enorme de carros se formava.

_Mas eu já expliquei pra senhora. Lamento muito, mesmo. Mas é hora do rush e tudo engarrafado. Se puder dar uma afastadinha…

_Afastadinha?

_É. Uma ré. Distorce tudo e pronto. Pode até voltar mais tarde, nuns vinte ou trinta minutos. Meia hora é tempo mais que suficiente pro meu filho sair da escola.

_Eu não tenho como voltar mais tarde!

_Bom, se é assim, bem que podia buscar o moleque pra mim, né? O nome dele é Pedro. Classe da tia Ana…

_Eu?

_Que custa? Nem entrou em casa ainda. Invés disso, taí. Engastalhando o trânsito...

De fundo as buzinas. Pipocando. Ressoavam bairro afora. Ela, inconformada, só faltava enfartar com a pouca graça da encrenca toda. Pior. Minguavam as opções. Ou colaborava com o despropositado do fulano, ou o infeliz não arredava. Não tão cedo. Nem em sonho.

E quer saber? Ela foi. Sinalizando e gesticulando pruma fileira interminável de veículos, Calma, pô! Tô saindo, não viram, não? Eita…

Enquanto o outro fornecia orientações de última hora.

_A escola dele é mais pra frente, viu? Umas cinco quadras além da esquina. De resto é dirigir com cuidado. Não corra, nem acelere, que o menino enjoa muito fácil. Fazer o quê, né? Estômago fraco, coitadinho…

Sei que deu partida. Cantou até pneu, tamanha a raiva que sentia. Mas antes que saísse foi interpelada. De novo.

_Peraí!

_Que foi agora?

_Tome. Leve isso – repassando a ela um boleto _ É a mensalidade. atrasada.

Ela riu. Sarcástica.

_Jura? E pago como?

_ que sabe. O que for melhor. Dinheiro. Cheque. Menos cartão, que não aceitam – acrescentando na sequência _ Aproveite e compre pão.  Três baguetes. Das mais moreninha…

_Cuméquié???????

Passou foi o maior sabão na dona, Agora, vai! Cê tá fechando o cruzamento!,  chiou ele, categórico, Vê que o povo quer passar, todo mundo cansado, doido pra chegar logo em casa, e a madame aí, atravancando meio mundo. Pode isso?… Folga demais pro meu gosto, viu? Contando ninguém acredita…

Santa Paciência

SAC

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Aconteceu dia desses. Ao ligar para um serviço de atendimento ao consumidor.

_Boa tarde. Em que posso ajudá-lo?

_Quero informar que achei um pedaço de luva dentro do requeijão de vocês.

_Feminina ou masculina, senhor?

_Hein?

_Mão direita ou esquerda?

_E como é que eu vou saber?

_Certamente, senhor. Esquerda é a mão do braço que fica ao lado do coração. Pode ouvir seu coração, senhor?

_Sim, mas…

_Então, tudo resolvido. Que a direita é a que sobra. Ficou fácil assim, senhor?

_E quanto ao meu requeijão?

_Perfeitamente, senhor.

_Não tem nada de perfeito, não! Comi um pedaço de luva, está entendendo?

_Exatamente, senhor. E como pretende nos ressarcir do prejuízo?

_Eu?

_Corretamente, senhor. Comer a luva de um funcionário é dano ao patrimônio privado. Crime passível de multa. E o senhor acaba de ser autuado. Satisfeito? Ajudo em algo mais?

_Multa? Era só o que me faltava. Podia ter sido um dedo, mocinha. Tem noção disso?

_Antropofagia, hein? Isso agrava sua pena em vinte por cento, senhor.

_A culpa é minha? – e reclamou_ Tenha a santa paciência, minha filha. Falta só você dizer que entrei na sua fábrica e mordi um funcionário de propósito! Ora faça-me o favor…

_Um minutinho que estou anotando. Crime doloso com motivo torpe. Fantástico, senhor. Mais trinta por cento.

_A senhora doida, é?

_Danos morais? Excelente opção, senhor. Vou averiguar a informação – musiquinha chata na espera e logo ela retorna_ Obrigada por aguardar. Isso dobra seu valor inicial e acrescenta mais uma série de incríveis taxinhas. Gostaria de anotar? Cinco por cento por ocupar nosso 0800. Mais dez, por ser durante MEU horário de almoço. Porque hoje é dia da secretária, mais vinte. TPM, trinta. Odeio azul, onze. Não consigo perder três quilos, quarenta e cinco. Não me lembro o motivo inicial dessa conversa, mais sete, que é o meu número da sorte… – bem quando anunciou, muito da satisfeita_  Adoraria se permanecesse em linha pra avaliar meu atendimento. Lembrando que cinco é muito satisfeito. Quatro e quase satisfeito. E os outros a gente nem precisa considerar, não é, mesmo, senhor?…  Senhor?… Uhuuuuuu, senhooooooor???

SAC

Só que não

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Mar no jeito. Dia quente e claro. Praia boa pra gente passear. E foi o que fiz.

Sozinha. Rente a água. Eu e Deus. Quer dizer, não exatamente. Já que a minha frente ia um garotão. Desses de peitoral blindado e bermudão pelas canelas. Igualzinho ao Júnior. Meu filho.   E se tem algo que realmente me incomoda nessa vida, taí: caminhar a rabeira de menino. Tudo. Menos isso…

Toda vez a mesma história, Cê é mole demais, Quer que empurre?, Aprume essas costas, Fale menos e ande mais, Affê…  Quando não cruza os braços pra perturbar, É pra hoje ou tá difícil? Ande, manhê! Que canseira, viu?…

Fato é que decidi, Comigo não, violão: é hoje que tomo a dianteira…

Sei que joguei pra direita. Cortei pela esquerda. Acelerei. E nada. Ainda na cola do distinto. Tornei a apertar o passo. Corri por fora. Tropecei num rastelo de criança. Ralei de todo lado e ainda por cima engoli água (e não foi pouca, juro procêis). Insisti mais um tanto. Pelejei. Fiz que fiz até que passei o tal do moço.

Ótimo? Péssimo!  Onde já se viu uma mulher na minha idade zanzando à frente de um bonitão de quase vinte? Calma, pensei. Muita calma nessa hora, que desalento não corrige estria. Pior, agrava. E se é assim, melhor posar de fina. Atarraxando braço com perna e pneu com culote. Talvez chacoalhe menos. Ou trema só um pouquinho. Aí é torcer pra virar charme, num doce balanço a caminho do mar…

Ok. Bateu o desespero. O fato do moleque estar mais pra capitão da seleção americana de polo aquático, que pra corredor fundista queniano, agravava ainda mais minha aflição. Mas resolver o negócio era moleza. Tudo que tinha a fazer era deixá-lo passar. Fácil, né? Sei…

Bastou desacelerar pro diacho do moçoilo pisar no freio comigo (pra que pressa, não é mesmo???) Enfim. Sentar também era uma ideia. Se boa ou ruim, são outros quinhentos. E coincidência ou não, acontece que despenquei. Literalmente. Caindo de dorso e afundando. Mas, ufa! Ele passou. Já podia levantar e retomar o percurso.

Isso se não estivesse mergulhada em areia fofa até onde Deus desse discernimento. Tudo bem. Questão de habilidade e jeitinho. Tentei novamente. E entranhei mais metro e meio. Faltou determinação, só pode… Experimentei botar mais força e quase virei tatuzinho. Quem sabe não descubro um veio d’água e saio nadando até o Atlântico. Cruzeiro pra quê, gente? Bobagem…

Jeito foi rolar. Croquete de coroa. Hit do verão europeu. Não deixem de experimentar. Sensação incrível essa de sururu empanado craquelando ao sol. Difícil é correr cuspindo areia. Mas a isso também se sobrevive. Depois vira história. Mas fica entre a gente, combinado?

De resto, fiquei lá. Marinando. Aguardando que a duna sedimentada em meu biquíni se desfizesse aos poucos. Então, sacudi o mar do corpo e segui meu rumo. Feliz e satisfeita. Como previsto desde o início. Eu e Deus. Bom. Quase. Que um senhor marchava justo em frente. De pisada funda e ritmada. Turrão, quer apostar? Acostumado a mandar e desmandar na vida dos outros. Igualzinho ao meu marido. E se tem algo que realmente me incomoda nessa vida, taí. Mas comigo não, violão…

Só que não

Tem pau de selfie aí?

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Mais trânsito e ninguém anda. O dia estava de pirraça com ela. E pretendia continuar.

_Passa tudo! Passa tudo!

_Que passa tudo, o quê, moço? Sabe há quanto tempo parada nesse cruzamento?

_Grana. Quero toda a sua grana!

_Pois chegou tarde. Já levaram tudo. IPVA. IPTU. DPVAT. Material escolar. Sobrou nem cartão. Se fizer muita questão devo ter ainda umas duas folhinhas de cheque metidas nalgum canto. É pegar ou largar – e mudando de pato pra ganso _Queria só saber quem foi o engraçadinho que inventou essa pataquada toda de final de ano. Que o meu tá lá. Inteirinho. Encavalado nas sobras de dois mil e treze, dois mil e doze, dois mil e onze…

_Dona, perdendo a paciência.

_Só você? Imagine que a minha amiga, Josephine, levou seis horas de Diadema a Ubatuba. Pode isso?

_Vou explodir! avisando…

_Assim a coisa muda de figura, que o problema é hormonal. Já tentou reposição?

O marido boquiaberto não acreditava no que via.

_Que cara é essa, Pedro Henrique? Fale. Conte pro moço – e saiu descascando o santo _Minha sogra que andava assim. Uma pilha. Foi fazer reposição e pronto. Melhorou num zastrás. Sarar, não sarou. Que também é querer muito, conhecendo a cascuda da tua mãe – e voltando-se ao assaltante _ Não a sua, moço. Que deve ser uma mulher muito fina. Sei. Morreu, é? Peninha. Deus a tenha em muito bom lugar, viu?

Acontece que o cabra cansou. Catando o marido da doida pelo cangote, foi logo avisando.

_O celular ou ele morre!

Nenhuma reação.

_Ande, Gracie Kelly Regine, atenda logo o moço. Antes que…

_Calma, Pedro Henrique, cê é muito impressionável. Papagaios! Uma pressãozinha de nada e já desanda – dando um tapinha camarada no delinquente _ Mata nada, que o colega é gente boa. Quer ver só? Palmeirense. Acertei?

Com marido envermelhando. A ponto de estourar.

_Credo, Pedro Henrique! Deixa nem a gente conversar direito – ranhetou ela, passando a carteira. Pra exigir na sequência _ E pode ir zarpando que o celular eu num dô, num dô e num dô. Pronto. Emburrei. Feliz agora, Pedro Henrique? – indicando o marido ao meliante, que meio corpo pra dentro do veículo, ainda não se movia _ Quer? Pois fique. Que esse aí só me azucrina. Isso quando não pede pra eu coçar. Vê se tem cabimento…

Mas reconsidera e recua.

_Faz o seguinte moço, esquece o Pedro Henrique, que o pobrezinho é arroz com chuchu, mas é tudo o que temos pro jantar. Então, pra não perder a viagem, aconselho o senhor a ficar com a minha sogra. Que a velha é bem de vida, viu? Barbaridade! Carros. Motos. O diabo. Fora o casão de três quadras e meia, que vou te contar uma história – não satisfeita, prolongou _ Tem pau de selfie aí? A gente bem que podia mandar umas fotos pra ela. Que acha, hein, Pedro Henrique?

Tem um pau de selfie aí?

A mais gostosa

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Era olhar pra saber que vinha chumbo. E do grosso.

_Mas, benzinho… – implorou ele.

_Benzinho, uma ova! E não me venha com explicações, que vi tudo, seu safado. Cretino. Desqualificado. Vi tudinho! Ai, meu Deus…

_Ô, morzinho

_Deixei vocês sozinhos por cinco minutos, Cezinha. E quando eu volto, o que encontro? Os dois. Na maior safadeza. Você, nem digo nada, que não vale o que come. Mas… a Tininha…

_Ela não teve culpa.

_Uma falsa, isso sim! Traíra. Sem-vergonha, igualzinha a você.

_Eu que insisti. De começo, ela nem queria. Foi só depois que eu…

_Fale nada, Cezinha! Fale nada, viu? – e acrescentou _ Você tinha prometido…

_Eu sei, bizunguinha. Foi vacilo, mesmo. Mas a carne é fraca. E aconteceu. Já foi. É hora de tocar pra frente. Perdoe, vai? 

_Difícil, Cezinha. Não sei se consigo apagar a imagem de vocês dois. Juntinhos.  Na minha casa. Na minha mesa. Quando lembro das bocas, então… Era pra ser um almoço feliz, Cezinha. Mas vocês estragaram tudo – tentou parar, mas não deu conta _ Achei que estivesse satisfeito…

_Quer saber? Pra mim, chega. Que comigo é assim: deu sopa, eu cato, mesmo. Sem dó. Sou homem, ué, queria que deixasse esfriar? Estava ali. Abandonada. Toda amontoada num cantinho. Podia ouvir ela chamando: Me coma, Cezinha! Sou sua… Me coma…

_Pare, Cezinha – implorou ela

_E eu gostei! Ou melhor, gostar é pouco. Eu adorei! E não fui só eu, não. É. A sua amiguinha, também: comeu que se lambeu!

Tentou sair. Correr. Passar por ele e nunca mais voltar. Mas foi retida gravemente entre seus braços.

_Não vai acontecer de novo. Eu juro! Confie em mim – e cruzando os dedos, como se fosse escoteiro _ Quero que a minha mãe caia dura e seca, aqui, agora, se o que eu falo não for verdade…

Titubeou, mas cedeu. No final, ela sempre cedia _Vou confiar, hein? Mas só mais essa vez…

Enfim. Calmaria no horizonte. E ele não viu mal algum em comentar.

_Conte só uma coisa, filhinha: não acha um pouco demais esse forrobodó todo por conta de uma lambiscadinha à toa?

Ela arremeu de volta.

_Lambiscadinha, vírgula! Você sabe muito bem que eu sempre guardo o melhor de tudo pro final. Tem fome? Pois que pegue na panela. Não tinham o direito de traçar minha última colherada. Quantas vezes terei que repetir que odeio que comam do meu prato…

_Não perdeu grandes coisas.

_Como? Era carne com ovo, Cezinha! E eu A-DO-RO carne com ovo. Se fosse um frango com quiabo, até ia. Fazer o quê, né? Já comeu, mesmo. Mas, carne com ovo? – e tremeu o beicinho antes de perguntar _ E a gema?

_Molinha…

_Nãoooooooo!

A mais gostosa

A princesa do Bahrein

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Assim não é possível, emburrou ela, Vai sair? De novo?

É que às terças ele treinava. Às quartas, tocava com os amigos. Quintas, futebol. E às sextas, pôquer. E esse era sagrado! Desmarcar? Como?

Nem era culpa dele, coitado. Querer até queria. Faltava tempo. Pra ela. Que fazia biquinho e reclamava, E eu? E a gente? Assim, não dá, está ouvindo?

Difícil saber, já que ia longe.

Até a noite em que chegou mais tarde. Pisando fino e deitando de mansinho. Para levantar num pulo só, ao perceber a cama vazia e nenhum sinal da moça. Que chegou depois. Faceira e perfumada. Cansada num tanto, que foi difícil contar de onde vinha. Então, tá. Falariam na sequência.  

Pena que não deu. Trombaram no elevador. Ela saindo, ele entrando.

_Que roupa é essa? – estranhou ele _ Aonde pensa que vai?

_Pedalar com uns amigos.

_A noite?

_Até de madrugada – e foi. Ele, estatelado estava, estatelado ficou. Olhos batendo no peito e o queixo arrastando no chão.

Na noite seguinte, de novo, Ops, jantar com as meninas… Na subsequente da outra, também. Dessa vez, festinha. É. No Nando, Como quem é Nando? Meu personal, ué? Se precisar, indico, trabalha um glúteo como ninguém. Depois conto, que estou de carona com o Rui, peguete da Beth. Quem é Beth? Ah… Deixe pra lá… – e acrescentou _ Preocupe, não, que é tudo gente boa. Povinho natureba. Já viu, né? Tipo assim: bonitos, malhados e sem contraindicação – ela riu. Ele, não.

E saiu. E voltou. E saiu outra vez. Até ele pipocar.

_ Seu percurso, sua aula, seus amigos. Tudo muito bom, eu admito, mas e eu? Onde é que eu fico? – e completou _Podíamos passar a semana juntos, que tal? Viajar. Alugar uma casa na praia ou coisa parecida. Ir ao teatro. Você adora teatro, não adora?

Uhum, ela respondeu, do banheiro, enquanto se arrumava.

_Quando? Amanhã? – insistiu ele.

Pode ser, e caminhou até a porta. Ele fez questão de acompanhá-la. Pra despedir. Cheio de recomendações, Te amo, viu? E vê se não demora. Juízo…

Ela acenou. E partiu.

De resto, tudo igual. Como nas noites anteriores: entrou no carro, deu partida e não saiu. Recostou bem a cabeça e tirou da bolsa o livro. Que continuou até a parte onde o elegante doutor britânico, entre a morte e a loucura, foge para Gotemburgo, atrás da paciente misteriosa, que, aliás, tinha toda a pinta de ser seu primeiro e grande amor: a princesa desaparecida do Bahrein.

E parou por aí, que passava da hora de subir. Em casa, não desgrudaram mais. Ele era só cuidados. E perguntas.

_Então… Sentindo falta das pedaladas noturnas?

_Imagine…

_E dos amigos sarados?

_Não…

_Nem das baladinhas com as amigas?

_Nadinha…

Ótimo, pensou ele, aliviado. Afinal, abrira mão de tudo e todos para estar com ela.

Enquanto ela, na verdade, roía os dedos. Sem saber do médico, nem da princesa. Mas, não reclamava. Que relacionamento é renúncia. E cada qual que faça sua parte, não é mesmo?

A princesa do Bahrein 

Dicionário de futebolês para amadoras com filhos

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Chegou a copa. E você, que passa os dias correndo atrás da bola (leia-se: molecada), percebeu que não se preparou adequadamente para o evento.

Não falo em acessórios, que nessas horas qualquer fralda com ursinhos verdes em carrinhos amarelos vira bandana e pashmina. Falo da preparação técnica. Dos pré-requisitos que vão dos sistemas de esquema tático (4-2-4, 3-5-2, 1-2-3 de Oliveira 4 e, o infalível, 3 pra cá e 2 pra lá), aos nomes dos artilheiros, das comissões técnicas e o diâmetro médio das coxas da equipe de ataque italiana (mamma mia, questo è una meraviglia!).

Mas não se preocupe, que compilei de forma simples e concisa os conhecimentos necessários a quem não quer fazer feio numa mesa-redonda de futebol. Ou quadrada, de boteco. E note que a segunda é ainda mais exigente que a primeira. Sendo assim, não perca mais tempo e olho no lance!

1. Prorrogação: minutos finais e decisivos de um jogo. Aqueles que você nunca verá (porque a sua filha menor grita e esperneia. Quer ir embora, de onde quer que você esteja. Ou porque as amiguinhas da sua filha gritam e esperneiam. Querem ir embora, de onde quer que vocês estejam. Ou porque o seu marido, torto de bêbado, cismou de cantar, A pipa do vovô não sobe mais…, colado a bunda da sua melhor amiga). Assim, quando o juiz apita, Fim de jogo!, e todos se preparam para sair, só dá você, de um lado ao outro, perguntando: E aí? Foi gol? Ganhamos? De quanto? E de quem? Era amistoso ou semifinal? Falando nisso, alguém sabe se vai ter copa?

2. Amistoso: que nem peguete. No final, não vale nada.

3. Semifinal: noivado, com grandes chance de dar jogo.

4. Final: Casório, com todo mundo chorando e torcendo pelo melhor.

5. Mão na taça: em fim sós. Daqui a quatro anos voltamos a conversar.

6. Final vencida pelo outro time: Foi bom enquanto durou.

7. Bicão: coice de ponta de chuteira. Quando você descobre que além de dinheiro, os jogadores também têm preparadores físicos, nutricionistas e fisioterapeutas fabulosos que você nunca terá. Mas a inveja corre por conta do pedicuro deles, que o infeliz chuta de canhota e faz gol de placa sem sentir nadica de nada! Enquanto você está lá: trabalhando de chinelo há quase um mês. Com um dedão que é pura carne esponjosa e lateja só em ver sapato…

8. Bola murcha: como você se sente ao descobrir que o jogo foi ontem e que torceu noventa minutos pelo capitão Jack Sparrow, achando que era o Thiago Silva, em um jogo imperdível contra aquele timeco da rainha.

9. Canhota: pé contrário da mão que escrevinha. Ou pondo em miúdos: pé oposto a mão que assina os cheques, abre presentes, passa rímel e arranca os pelos que nascem tortos na base da sobrancelha.

10. Vai que é tua: vai e toma, que não é tua coisa nenhuma, mas pelo que estão te pagando, não faz mais que a obrigação!

11. Essa até eu fazia: dê-me metadinha do que pagam a eles e descobrirão um talento nato.  Não prometo gol de voleio, mas que desembesto, eu desembesto…

12. Replay: só mais uma vezinha! Por favor! Por favorzinho! Dessa vez eu juro que assisto e presto atenção quietinha, vai… Por Deus do céu, Nossa Senhora e Santa Rita do Passa Quatro… E se jurar de pezinho junto? No duro, mesmo! Juro-juradinho que nunca mais vou perder nenhum lance, por menorzinho que seja. Por favor… Não? Por quê? Porque não, não é resposta!

13. Mete 4! Mete 4!: nenhuma conotação sexual, que o sangue de Jesus tem poder!

14. Impedimento: tipo criança que acorda no meio da noite e não volta a dormir por nada. Nem como reza brava ou historinha longa. Em mais um zero a zero histórico, torcida brasileira…

15. Bolão: dinheirama que você levaria fácil, caso acreditasse em seus palpites descabidos. Mas, não. Vai perder. Quem mandou ouvir o marido, o filho, o sobrinho e o porteira da escola das crianças? Ficou em último. Benfeito!

16. Sim, não, uhum: tudo que vai extrair deles durante uma boa partida. E é melhor não insistir, ou entra em campo o afamado, Que parte do estou vendo o jogo você não entendeu?

17. Uuuuuhhhhhhh: Não é vaia, não. É o outro. Aquele. Do drible que quase foi. Sem nenhum significado específico. Só indica que triscou rente. De resto, não serve pra nada. Mas, diverte. E ajuda a passar o tempo, enquanto o Neymar procura o gol. Experimente, vai! Capaz até de gostar. É só armar o biquinho e deixar o resto por conta da arbitragem: Uuuuuuuhhhhhhhhh…

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Problema na Parafuseta

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Alguns conceitos já eram. Aquele papo de onde comem dois, comem quatro, por exemplo, morreu. Culpa de quem? Da tecnologia.  Quer ver só: dê um tablet a uma criança e você tem sossego. Por horas. Dias. Até Meses. Agora, experimente acrescentar mais duas crianças a essa cena e tem-se um princípio de intifada. Que vai do popular, Mas, mãe, é meu… Ao não menos famoso, Tia, ele não quer emprestar

Com a vó Celinha foi mais ou menos assim. Visto que a história também tinha crianças. No caso, os netos. E um computador, que ela precisava usar. Mas deixem que explique direitinho…

Vó Celinha, como o próprio nome indica, é uma velhinha gente boa. Dessas fáceis de gostar. Que andava amuada havia meses. Por conta da saúde, coitadinha, começando a incomodar.

Se não eram as costas, eram as pernas. Ou as ancas. Pior, mesmo, só a menopausa. Quando o corpo todo requentava. Com a vó Celinha fervendo por dentro e por fora. De um lado, ela, entrincheirada. Do outro, eles, os hormônios, enlouquecidos e em baixa. Incendiando ônibus e depredando patrimônio público em plena Avenida Paulista. Vixe

A neta veio em seu socorro _comigo, vózinha, que o Pezão te conserta num tapa

_Que Pezão, o quê, menina-doida? 

Ela riu e explicou _ Estudamos juntos, vó. Vai por mim. O Doc é fera…

E vó Celinha cedeu. Do jeito que sofria, pouco importava se era o Super Maneta ou o Profe Sovaco. Destampando a chaleira, estaria de bom tamanho.

Então, foi. Arrastada pela neta. Que chegando ao consultório, cutucou _Aproveite e calibre, vó. Dê uma aditivada na “coisa”, pro vovô ficar contente…

_Que é isso, menina?  Demorô tanto pro velho sossegá, e vem você querê ligá ele de novo? Credo!

Emburrou. Até que foi chamada. E do jeito que entrou, saiu: contrafeita e resmungando. Só que lotada de feromônios, suplementos, cremes e recomendações. Além, é claro, da promessa de um breve retorno. Munida de melhoras e resultados.

Sossego foi o que faltou. Principalmente ao seu Leopoldo,  Aí, vô. É fraco, não, né? Depois da geralzona da vovó, melhor deixar as barbas de molho. Só por garantia. Pra não decepcionar…

Tanto fizeram que ele especulou:

_É verdade isso aí que as crianças andam falando?

_Ô, Leopoldo! Tenha a santa paciência, meu filho… – tamanho rebuliço deixou vó Celinha ressabiada. Onde há fumaça…

 Resolveu fuçar. Começando pelos laudos. Era só abrir uns envelopes e…

_Que envelope, nada, vó. Hoje em dia é tudo online.

_E faço como?

Era o caçula quem ajudava _Clique aqui, ó. Isso. Digite sua senha e código. Pronto. É só ler. tudo aí, tim-tim por…

_Só um instantinho. Preciso do micro, agora! – era o Toco, neto mais velho, estudante de mecânica e dono do computador_ Tenho um laudo de motor avariado pra redigir e enviar.

Foi a vez da senhora responder _Pode usar, querido. A vovó espera…

_Valeu, vó – até que não demorou muito. Laudo enviado, salvo e minimizado na tela plana do computador.

E assim foi. Trocentas vezes. Um neto após o outro. Desembestados. Com um trem qualquer de última hora e máxima urgência que não podia esperar. E o computador encheu-se de arquivos. Todos devidamente salvos e minimizados, esperando pelo próximo usuário.

Quando a casa sossegou, vó Celinha perguntou mais uma vez ao caçula:

_E agora? Como vejo meus exames?

Ele, sem tirar os olhos de um brinquedo qualquer que empunhava, apenas disse _ Abra e leia, ué…

. Mas, o quê? E como? São tantos ícones e caixinhas. Tudo tão igual. Enfim. Se todos os caminhos levam a Roma, qualquer um deve valer. E clicou onde bem entendeu. No primeiro arquivo que viu, que por acaso era do Toco. Aquele. O neto mecânico. E curiosa como estava, nem notou a diferença. Pigarreou. E começou a ler.  Em voz alta. Até parar, estarrecida, Virgem mãe e santa…

Perdeu a cor e a graça à medida que corria o texto. Mas, seguiu. Abestalhada.

Além do desgaste rotineiro, foram detectadas áreas de corrosão excessiva nos dutos de lubrificação. A falta de óleo afetou irremediavelmente a resistência das paredes internas. Sem falar no elevado nível de atrito nas rotativas e na baixa aderência no comando de válvulas…”

Engoliu em seco. E continuou.

Nota-se aqui um caso extremo, onde a solução mais indicada é o uso de aditivos. A aplicação regular de Bardahl B12 tende a facilitar a entrada, além de suavizar o sobe e desce dos pistões, independente do perímetro, tamanho e da força aplicada…”

Na sequência, o baque seco. E o caçulinha que gritava.

_ Gente, acode aqui! A vó Celinha desabou!

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