Mais trânsito e ninguém anda. O dia estava de pirraça com ela. E pretendia continuar.
_Passa tudo! Passa tudo!
_Que passa tudo, o quê, moço? Sabe há quanto tempo tô parada nesse cruzamento?
_Grana. Quero toda a sua grana!
_Pois chegou tarde. Já levaram tudo. IPVA. IPTU. DPVAT. Material escolar. Sobrou nem cartão. Se fizer muita questão devo ter ainda umas duas folhinhas de cheque metidas nalgum canto. É pegar ou largar – e mudando de pato pra ganso _Queria só saber quem foi o engraçadinho que inventou essa pataquada toda de final de ano. Que o meu tá lá. Inteirinho. Encavalado nas sobras de dois mil e treze, dois mil e doze, dois mil e onze…
_Dona, tô perdendo a paciência.
_Só você? Imagine que a minha amiga, Josephine, levou seis horas de Diadema a Ubatuba. Pode isso?
_Vou explodir! Tô avisando…
_Assim a coisa muda de figura, que o problema é hormonal. Já tentou reposição?
O marido boquiaberto não acreditava no que via.
_Que cara é essa, Pedro Henrique? Fale. Conte pro moço – e saiu descascando o santo _Minha sogra que andava assim. Uma pilha. Foi fazer reposição e pronto. Melhorou num zastrás. Sarar, não sarou. Que também é querer muito, conhecendo a cascuda da tua mãe – e voltando-se ao assaltante _ Não a sua, moço. Que deve ser uma mulher muito fina. Sei. Morreu, é? Peninha. Deus a tenha em muito bom lugar, viu?
Acontece que o cabra cansou. Catando o marido da doida pelo cangote, foi logo avisando.
_O celular ou ele morre!
Nenhuma reação.
_Ande, Gracie Kelly Regine, atenda logo o moço. Antes que…
_Calma, Pedro Henrique, cê é muito impressionável. Papagaios! Uma pressãozinha de nada e já desanda – dando um tapinha camarada no delinquente _ Mata nada, que o colega é gente boa. Quer ver só? Palmeirense. Acertei?
Com marido envermelhando. A ponto de estourar.
_Credo, Pedro Henrique! Deixa nem a gente conversar direito – ranhetou ela, passando a carteira. Pra exigir na sequência _ E pode ir zarpando que o celular eu num dô, num dô e num dô. Pronto. Emburrei. Feliz agora, Pedro Henrique? – indicando o marido ao meliante, que meio corpo pra dentro do veículo, ainda não se movia _ Quer? Pois fique. Que esse aí só me azucrina. Isso quando não pede pra eu coçar. Vê se tem cabimento…
Mas reconsidera e recua.
_Faz o seguinte moço, esquece o Pedro Henrique, que o pobrezinho é arroz com chuchu, mas é tudo o que temos pro jantar. Então, pra não perder a viagem, aconselho o senhor a ficar com a minha sogra. Que a velha é bem de vida, viu? Barbaridade! Carros. Motos. O diabo. Fora o casão de três quadras e meia, que vou te contar uma história – não satisfeita, prolongou _ Tem pau de selfie aí? A gente bem que podia mandar umas fotos pra ela. Que cê acha, hein, Pedro Henrique?