Pai-Trinca de Ases

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A rigor, bastou o fulano virar pai para as apostas começarem. E não tem santo que invista suas fichas no coitado. Já que papai autodidata larga nas últimas colocações. Perdendo feio pra coisinha babenta que urra em si bemol contralto pela madrugada inteira. Daí derrapa nas fraldas, patina no banho, veste o fedelho pelo avesso, nunca sabe qual pomada vai onde, nem que bombons, chocolates, balas e dropes, mesmo que acompanhados de pipoca e fritas, não constituem uma refeição balanceada. Mas não, mesmo!

Pior ainda se a dona patroa inventa de se ausentar por hora em meia. Danou-se. Que o gajo cavuca impedimento. Uma marcação qualquer que justifique a substituição com a bola em campo. Escalando a sogra, a vizinha ou um desavisado qualquer que saiba fazer trancinha em Barbie, assentar franja com redemoinho no meio ou disposto a tomar tabuada. Qual? Coisa pouca. Só a do cinco. Do seis. Do sete. Do oito. ..

Que de nada adianta doutorado,  licenciatura plena ou consciência política se não souber fazer naninha ou conhecer a temperatura exata de um mamá.  Evitando que corram, caiam, mordam uns aos outros ou garranchem para sempre as paredes imaculadas daquele pedacinho hipotecado de éden que costumamos chamar de lar.

Aliás, encrenca é tudo o que o pobre vai encontrar daqui pra frente. Não vou mentir pra você. Que a tranquilidade (pausa para um riso nervoso exagerado) de suas noites vai rarear. E sua esposa, aquela cheirosinha-toda-linda-toda-sua, vai tirar férias. De uns vinte anos. Podendo prorrogar. Dependendo de quanto o rebento venha a carecer dela. Se optar pelo mestrado fora, então…

Afinal, não tem como competir. Pensando bem, é quase desleal. De um lado o homem assustado. Amador. Genitor prematuro. Atendendo aos conclames da convocação oficial e ainda oscilante entre comemorar, sumir, sambar, fugir, chorar, enfim. PAI. Enquanto na outra banda do ringue, temos ele. O profissional. Um filhote careca e mal-ajambrado, que vai te fazer trocar de carro, de casa, de ritmo, de vida e demandar todo o seu carinho e atenção. De dois em dois minutos. Num iê-iê-iê do Paiêe isso, Paiêe aquilo. Revertendo suas prioridades e enchendo suas noites insones de histórias reprisadas, retóricas açucaradas envolvendo princesas, unicórnios fofos e elefantes cor-de-rosa.

E o golpe final vem por conta do sorriso. Uma fatídica risada mole, fácil e sem dentes. Que quando acontece solta bolhas. Coincidindo com o povo todo desmanchando em volta. E nessa hora tudo fica pareado. Pai e mãe tateando às cegas em pleno estado de graças. Que nem bobos. Vitimados de amor eternamente. Feito chumbo derretido.

Impossível precisar o que se dará a partir de então na vida desse homem. Aquele cuja jornada, antes retilínea e coerente, encheu-se de curvas, sobressaltos e despesas váriadas. Já que essa história de vestir e alimentar é coisa do passado. Moleque, hoje em dia, cobra mesada em Euro, fala fluente três idiomas e arrasa nos esportes. Ou ao menos tenta.  O problema é quando o corpo não encontra a bola, mas a fuça encontra o chão. E lá vamos nós de novo. Pediatra. Odontopediatra. E bem-vindo as novas contas. Ou pondo em miúdos, simboralá trabalhar mais um tantinho.

Desculpe, mas é bem isso: prepare-se para labutar por três, se virar por sete e descansar por meio. Que pai, colega, não tem colher de chá. Sinto muito. Agora, melhore essa cara e dê cá esse copo aí. Que não é hora de cervejinha coisíssima nenhuma. O menino quer brincar, não tá vendo? Cavalinho. É. Mais duas voltas.  Upa. Upa. Upa…

Está ficando mole, cutucarão os mais chegados. Mole, não. Flexível, rebaterá você em defesa própria. Afinal, tourear pivete que não quer dormir nem por caridade, ou dar remédio pra quem não abre a boca e ainda esperneia e xinga e engasga, tem hora que cansa, viu? Isso quando a coluna não trava, deixando em pandarecos o restinho que sobrara dum cidadão.

Mas você é o chefe, certo? Mesmo que não mande mais na casa. Nem na esposa, filhos, televisão, compras, viagens e programações familiares em geral. Mas no resto, você é o cara. O macho alfa. Principalmente enquanto assiste a grande final do time do seu coração. Replay, é claro. Que o campeonato acabou faz tempo e você não viu nem as rodadas iniciais. E o mais triste, nem vai ver. Que sexta tem festinha do pequeno. Sábado, visita da sogra. E domingo é seu dia de ficar com os gêmeos, porque a mulher marcou cineminha com as amigas. Tadinha, gente! Ninguém é de ferro, né? Você há de concordar.

Talvez resida aí uma dessas inexplicáveis ironias da vida. Com a maternidade adoçando os beiços mais barbados e tornando essa tranqueirada toda de fralda, unguento e cueiro em coisa incontestável de macho. Tanto quanto as varas de pescar e os fumos de rolo.

A verdade verdadeira é que temos que ceder à palmatória e assumir que os moçoilos surpreenderam. Levando essa de virada. De mão cheia. Ao melhor estilo pai-trinca de ases. Ou seria quadra de reis? Na dúvida, aplaudo. E puxo a OLA. Que esses caras merecem. Estão batendo um bolão.

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